A compra da startup de automação doméstica Nest pelo Google é a segundo maior (em valor) do buscador em sua história: os US$ 3,2 bilhões ficam atrás só dos US$ 9,4 bilhões pagos pela Motorola, segundo levantamento da Thomson Reuters. Ambas são empresas de hardware para consumidores finais arrematadas em momentos distintos: a Motorola afundava como uma pedra, enquanto a Nest tem um panorama futuro excelente pela frente. No que o Google se beneficia?
O Google é bom em construir hardware, mas não aquele que estamos acostumados a ver. Todos os seus serviços online rodam em data centers compostos não por servidores comprados de outras empresas, mas montados pelo próprio Google. É uma senhora infra-estrutura sobre o qual a empresa de Larry Page não fala muito (se quiser ler mais, a Wired visitou um dos data centers). Mas na hora de criar algo para o usuário final, a história muda. Houve problemas no começo – o sistema de som Nexus Q, primeiro hardware totalmente Google, nem lançado foi -, mas a empresa dá sinais de que está melhorando. O Moto X, primeiro aparelho da Motorola sob as regras do buscador, foi considerado o melhor smartphone com Android do mercado. Mas trata-se de um processo longo e que ainda deverá ter fracassos antes de sucessos retumbantes.
Com a Nest, o cenário é diferente: o Google comprou um produto pronto que é adorado pelos consumidores que o possuem e sem muita concorrência pela frente. O preço foi justo? O valor de uma aquisição é baseado não apenas na planilha financeira do CFO da startup, mas também no potencial de mercado que o comprador vê para aquela tecnologia. Hoje, US$ 3,2 bilhões por uma startup que vende 40 mil gadgets por mês parece muito. Em médio prazo, a percepção muda. Os Estados Unidos têm mais de 116 milhões de casas, segundo o Censo americano de 2010. Destas, 97% têm termostato. Não é nicho. É um produto de massa que ainda não atingiu todo seu potencial. Ainda.
A Nest tem 5% do setor nos EUA e seu maior rival vem da Europa: o Tado só chegou ao mercado em novembro. Termostatos tradicionais (dos que o Nest pretende substituir) são usados também na Europa, Canadá, Oceania e Ásia. Minha impressão é que parece um no brainer: à medida em que estiver disponível nestes mercados, o Nest deve passar como um trator sobre o termostato comoditizado. Até 2020, o
Não é só pelo termostato: o item foi o primeiro de uma série de outros que, espero eu, a Nest deverá lançar nos próximos anos. A chamada Internet das Coisas, conceito que detalha como todos nossos aparelhos domésticos estarão online e conectados entre si, ainda é fragmentada – o primeiro aparelho que rege todos os outros gadgets inteligentes apareceu só no final de 2013. É questão de tempo até que a Nest crie uma interface central para todos os gadgets que lançar daqui para frente. E como será esta experiência? O exemplo já está em prática em algumas casas nos EUA: aquelas que receberam as conexões de fibra óptica do Google Fiber aproveitam da estratégia “ponta a ponta” do Google. Quem se inscreveu ganhou um tablet Nexus que faz as vezes de controle da TV. No futuro, não é difícil imaginar como um termostato ou um detector de fumaça também poderiam ser controlados pelo tablet.
(No mais, o Google também foi acusado de louco por pagar US$ 1,65 bilhão pelo YouTube em 2006. Estima-se que a publicidade gerada pelo site de vídeos só em 2013 ultrapassou US$ 5,6 bilhões)
Pelo outro lado, o que ser comprado pelo Google beneficia o Nest (tirando a óbvia montanha de dinheiro que fundadores, funcionários e investidores levaram para casa)? A startup pode usar a infra-estrutura da maior empresa de internet do planeta e se focar só no produto, como disse o fundador da Nest, Tony Fadell, ao GigaOm:
Eu estava gastando quase 99% do meu tempo construindo a infra-estrutura da companhia e não conseguia gastar tempo suficiente no que eu amo fazer: produtos e criar experiências diferenciadas para nossos clientes. É onde está meu amor e o Google nos permitiu focar nisto, mas com uma escala que aproximará nosso horizonte ainda mais rápido.
E talvez esta seja uma das principais explicações da compra, algo que beneficia muito mais que o Google que a Nest. Fadell (o primeiro à esquerda na foto acima) foi um dos executivos chaves no desenvolvimento do iPod dentro da Apple. O produto foi fundamental para tirar da Apple a pecha de empresa de nicho e preparou o terreno para o estrondoso sucesso do iPhone. Fadell já provou que sabe gerir a criação de um produto, dos protótipos à integração entre hardware e software. Tê-lo como funcionário mostra que o Google está levando bem a sério sua investida em hardware. Por que não adianta ter só a fábrica, os canais de varejo, os designers, as patentes e afins. É preciso quem amarre as pontas todas. Este era o segredo de Steve Jobs. É o tipo de coisa que Fadell aprendeu com ele e deve aplicar (junto a outros 100 ex-funcionários da Apple) no seu maior rival. John Gruber acerta na mosca sobre isto: o principal ponto da compra não são gadgets para casa, mas a habilidade do Google em fazer direito hardware para usuários finais. Alguém garante que Fadell ficará restrito a termostatos numa empresa que cria tablets, smartphones, sistemas para TV e robôs?
Uma última ideia sobre a compra: o negócio do Google é vender anúncio. É assim que ele paga suas contas. Como o próprio ex-CEO, Eric Schmidt, assumiu a Época NEGÓCIOS, o Google é uma grande agência de publicidade. O buscador cobra pelas campanhas baseado em perfis dos seus usuários, algo que o Facebook sabe fazer muito bem dada a quantidade de informações que colocamos na rede social. O Google compila informações sobre todos os serviços que você usa e consegue dizer quais produtos podem ou não podem interessar a você, o que resulta em anúncios mais focados e com mais chances de se transformarem em vendas. Se você usa qualquer serviço do Google, seu perfil digital está lá. Uma hora, porém, ele vai ter que vir ao mundo físico. Especula-se que esta é uma das razões por trás do Google Glass – colado ao seu rosto, será possível registrar e entender tudo o que você faz. A Nest faz produtos domésticos e também cria um perfil para economizar energia baseado nas horas que você está longe de casa. Ou seja: ele sabe quando você sai e quando chega na sua casa no mundo físico. Este é o tipo de informação que o Google (ainda) não tem no seu perfil para tentar vender publicidade melhor